marcosthomazm
ALMA NÃO TEM COR (Tire seu racismo do caminho...)

Eu sempre fui embranquiçado socialmente...
No imaginário comum sempre fui o moreninho, o que de fato é a minha cor da pele, o tal pardo que preenchem nos questionários de censo familiar!
Apenas na família, quase eminentemente branca, eu era o neguinho!
Como exaustivamente repetia minha avó paterna: “mas o neguinho Quico é lindo! Neguinho com traços brancos”. Essa percepção era replicada nas brincadeiras familiares e aquilo me gerava um incômodo... na minha primeira infância eu não queria ser preto. Não sabia porque, mas o conceito de “preto” não era bom. Isso na Bahia negra, de música, cultura e toda a riqueza afro!
Vejam vocês, eu que no meu conforto sócio-econômico, sem qualquer restrição de regalia em relação aos meus pares de família e diversos amigos, me incomodava só pelo fato de ser o “neguinho” em casa, porque as referências implícitas na sociedade me indicavam que aquilo não era legal... agora imaginem o pequeno Miguel, praticamente “arremessado” do nono andar para sua mãe poder passear com o cachorro da madame?!?! Imaginem tantos outros. Apenas imaginem...
Já adulto, voltei a viver esse embranquiçamento social explícito... A avó da minha esposa, então namorada, Denise, a questionou porque me chamava de “preto”. “Não chame ele assim. Ele não é preto! Ele é tão moreninho!”. Era a vida sempre me dando salvo conduto para ser branco, portanto livre, igual... Suave...
Amparado por esta prerrogativa, nunca sofri qualquer tipo de preconceito, jamais... Apesar da minha “melanina bem preenchida”, o aspecto sócio ecônomico sempre me “clareava” na vida! Eu simplesmente não sei o que é sofrer racismo!!
Eu não estava entre os que sofriam “enquadros” da PM, os famosos ""baculejos" aparentemente aleatórios, mas sempre destinados aos meus amigos negros, nunca a mim e outros.
Eu não via as pessoas mudarem de calçada por minha causa, apenas atentava aos olhares de terror e medo dirigidos a amigos negros. Os mesmos que eram revistados sempre com mais rigor nas filas de shows e jogos que íamos juntos, em grupos... ou sempre fuzilados com olhar de desconfiança na simples entrada em uma loja...
Eu, à época, já percebia tudo isso, lembro, imagino outro zilhão de situações, mas ainda assim não faço a menor idéia do que é sentir na “pele e na alma” tudo o que esta chaga do racismo impõe as pessoas negras! Eu simplesmente não sei e nunca saberei!!
Por tudo isso, eu não tenho, nem presumo o “lugar de fala” das vítimas desta, que é a mais torpe faceta da natureza humana! Mas tenho sensibilidade e empatia para entender que o racismo estrutural está entranhado no seio da sociedade brasileira. Ele é cruel, injusto, desumano. Isso basta para me solidarizar. Mesmo sem ser o alvo, sempre haverá algo que eu possa fazer contra isso... Vidas negras importam, muito!!