marcosthomazm
Lições filosóficas do xixi
Quando manias escorrem pelo ralo

Já devo ter contado aqui, ou noutras paragens, sobre o choque cultural que o mijo, isso mesmo, o xixi, o simples ato de urinar me causou.
Sossega o facho que não há nada de escatológico, ou fetiche excrementar, tipo o tal Golden Shower que, de um certo tempo pra cá virou a modalidade de “tirar água do joelho” mais comentada.
Até um ex-presidente aí andou mencionando, diz a maledicência alheia que, também exercitando a prática.
O papo aqui tem caráter sociológico.
Sociologia de boteco, mas não menos acadêmica, quiçá científica, por isso.
Também não esperem de mim obviedades tal qual a relevância fisiológica do xixi.
Suas propriedades reveladoras do funcionamento do corpo humano, tipo exame de urina.
Menos ainda propriedades químicas do teste de gravidez.
Aqui não é tese aquosa de laboratório.
O negócio vai muito além da bexiga e outras entranhas...
É trabalho de observação de campo.
Literalmente, mato e adjacências.
Pois, vejam vocês, fato é que, ao chegar a bela Paraíba, lá no século passado, foi ela, esta necessidade de “tirar água do joelho” que me escancarou verdades universais sobre aqui e alhures.
Menino da Bahia, embebido em “água dura” (lá ele) queria apenas descarregar ureia em festa pouco sacra na secular Casa da Pólvora, encravada no nascedouro pessoense.
Uma fila imensa encaracolava dois, talvez três, quem sabe quatro banheiros químicos para senhores e senhoras.
No limite, o inocente aqui observava um matagal frondoso ao lado, de todo lado.
Natureza vazia e todos, organizadamente, na bagunça possível, em fila de espera.
Inarredáveis.
Ainda tentei demonstrar o contrassenso daquela situação a algum desavisado na mesma fila que eu.
Em vão, ignorou-me em tom de desprezo.
Resoluto, eu, “bicho solto” baiano, organicamente segui o instinto e fui regar o matagal.
Havia dado o meu jeitinho brasileiro.
Retornava aliviado, quase soberano pela solução fácil, até que me vi sob os holofotes de todos.
O show ainda rolava, lá do outro lado. O que significava aquilo, então?
Era a censura geral aplicada a mim.
Minha alma soberana de leveza corporal logo foi invadida por olhares fuzilantes.
Reprovação e condenação explícita.
Negativa só não maior que a minha própria vergonha.
Aí me dei conta que era o único a ter feito aquilo, cometido aquele atentado ao costume local.
Um ET em terras paraibanas.
Estava estabelecido o primeiro choque cultural.
Sei que desde então, só faço xixi na caixinha, digo no vasinho.
Bom rapaz.
É tão curioso essa força da aculturação, que já no primeiro retorno a Bahia, durante evento na Boa Terra, já não consegui fazer como os conterrâneos, que não perdoavam sequer um muro com sua pixação em água ácida.
Eu, ainda carregava aquele Big Brother das bandas da Parahyba a me vigiar.
Há bons modos que devem ser introjetados mesmo.
Ah, na minha Bahia, há alguns anos a prática do mijo livre também começou a ser vista de outra forma e punida até mesmo no carnaval, o maior mictório a céu aberto do universo, que transforma as ruas da capital baiana em um grande pardieiro com aquela fedentina convencional.
Vejam que a prática era tão corriqueira que, até viadutos, passarelas já foram interditados ou tiveram estrutura condenadas, por conta da corrosão urinária em Salvador!!
Haja mijo escorrendo.
Sei que, passados mais de 20 anos nesta troca de hábitos, absorções, repelências, incrementos, misturas... sigo aprendendo, ressignificando e cada vez mais PARAIBAIANO!