marcosthomazm
“ONDE É QUE VOCÊ VAI COM ESSA ARMA AÍ NA MÃO??”
Atualizado: 8 de fev. de 2019

Em uma mesma semana do primeiro mês de 2019, esse janeiro enigmático, o presidente eleito Jair Bolsonaro assinou decreto liberando posse de armas no Brasil e, em intervalo de apenas 3 dias, morreu o compositor Marcelo Yuka.
Na análise fria, no correr dos dias, andar da história, nada anormal, afinal presidentes assinam decretos e pessoas morrem diariamente, celebridades ou não.
Mas o simbolismo da proximidade das datas e o antagonismo que este gesto presidencial e a figura do músico representam tem muito a nos dizer sobre nosso tempo!!
Yuka, sentiu na própria pele o drama da violência desmedida ao ser vítima de atentado a bala quando tentava evitar assalto a uma senhora em bairro de classe alta do Rio de Janeiro, no ano 2000. O episódio trágico deixou paraplégico o então líder da banda carioca O Rappa (à época uma das mais bem sucedidas no cenário rock, reggae do país). Todo o drama ocorreu ainda enquanto os alto falantes de casas de show, ondas de rádio e cores da MTV “disparavam” exaustivamente os versos contundentes dele na música lançada um ano antes: “A minha ALMA está armada e apontada para a cara do sossego...”
Ao contrário de se render a amargura do ódio, escapismo de culpabilização generalista e estigmatização do problema da violência em uma única frente, Marcelo Yuka manteve ao longo de toda a vida o lema que a canção anunciava “Também morre quem atira...”. Nem mesmo um segundo ataque de bandidos, quando já paraplégico foi covardemente arremessado do carro a socos e pontapés, o fez quebrar o mantra, ser seduzido ao radicalismo e se render a soluções fáceis quanto ao problema da violência “neste Tribunal de Rua”.
No outro lado do front com mais estardalhaço que os tiroteios, mais velocidade que as balas que passam zunindo nas ruas brasileiras, o presidente eleito Jair Bolsonaro, cumpriu no dia 15 de janeiro, promessa de campanha liberando posse de armas aos ditos cidadãos de bem brasileiros, como primeira medida do alardeado plano de combate a violência. Uma barulhenta, polêmica (até mesmo entre os eleitores do Messias, visto que apenas 31% desses aprovam a flexibilização) e perigosa medida. Sem qualquer embasamento em números, experiências vividas em outros países, a liberação por aqui foi “vendida” como um direito e garantia de defesa aos brasileiros.
Pois bem, um simples desdobramento de dados já faz cair por terra qualquer teoria neste sentido. Números da Segurança Pública de São Paulo, estado mais populoso e onde fica a maior cidade do Brasil, por exemplo, revelam que apenas 2,5% dos roubos acontecem em residências e 5,9% em estabelecimentos comerciais, locais exclusivos onde teoricamente, na letra da Lei, as armas poderão estar para proteção social. Ou seja, o núcleo histórico da violência está na rua e não em casa (e quando se concentra nos lares, vejam só, tem qual objeto como "arma"??)! Aí aqueles intrépidos brasileiros, os sedentos por justiçamento poderão gritar: “então que me deixem andar com minha pistolinha!!” Como se armas nas mãos de civis destemperados no trânsito, na balada etílica, em uma discussão passional com vizinhos fossem bons elementos de solução! Um verdadeiro faroeste moderno. Além do mais, a estes incautos, vale lembrar que 70%, eu disse mais de 2/3 das armas apreendidas em toda a Região Sudeste, em 2014, eram de comercialização permitida, adquirida dentro dos padrões rígidos da Lei!
Dessa forma, ignorando dados concretos e apostando no medo nacional como elemento de convencimento o novo governo dispara este “tiro pela culatra”, uma “bala perdida” em direção aos brasileiros!
Que a “voz” do poeta soe mais alto e abafe os estampidos das balas, afinal “esse não é o atalho pra sair dessa condição!!”